sábado, 3 de novembro de 2012

É NA COMUNIDADE ECLESIAL QUE A FÉ PESSOAL CRESCE E AMADURECE


É NA COMUNIDADE ECLESIAL QUE A FÉ PESSOAL CRESCE E AMADURECE.


Bento XVI prossegue a catequese sobre a fé durante a Audiência Geral

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 31 de outubro de 2012.
Queridos irmãos e irmãs,
Continuamos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na semana passada mostrei como a fé é um dom, porque é Deus quem toma a iniciativa e vem ao nosso encontro; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, que opera em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros.  
Hoje gostaria de dar outro passo em nossa reflexão, começando mais uma vez, por algumas perguntas: a fé tem um caráter somente pessoal, individual? Interessa somente a minha pessoa? Vivo a minha fé sozinho? Certo, o ato de fé é um ato eminentemente pessoal, que vem do íntimo mais profundo e sinaliza uma troca de direção, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe uma mudança, uma orientação nova. Na Liturgia do Batismo, no momento das promessas, o celebrante pede para manifestar a fé católica e formula três perguntas: crês em Deus Pai onipotente? Crês em Jesus Cristo seu único Filho? Crês no Espírito Santo? Antigamente, estas perguntas eram voltadas pessoalmente àqueles quem iriam receber o Batismo, antes que se imergisse por três vezes na água. E também hoje a resposta é no singular: ‘Creio’. Mas este meu crer não é resultado de uma reflexão minha, solitária, não é o produto de um pensamento meu, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual tem um escutar, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu “eu” fechado em mim mesmo para abrir-me ao amor de Deus Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não somente a Jesus, mas também a todos aqueles que caminharam e caminham pela mesma via; e este novo nascimento, que inicia com o Batismo, continua por todo o percurso da existência. Não posso construir a minha fé pessoal em um diálogo privado com Jesus, porque a fé é doada a mim por Deus através de uma comunidade que crê que é a Igreja e me insere assim na multidão dos crentes em uma comunhão que não é somente sociológica, mas enraizada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé é realmente pessoal, somente se é também comunitária: pode ser a minha fé somente se vive e se move no “nós” da Igreja, só se a nossa fé é, a fé comum da única Igreja.

Aos domingos, na Santa Missa, recitando o “Credo”, nós nos expressamos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. Aquele “credo” pronunciado singularmente nos une àquele de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, a uma harmoniosa polifonia na fé. O Catecismo da Igreja Católica resume de modo claro assim: “‘Crer’ é um ato eclesial. A fé da Igreja antecede, gera, sustenta e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. ‘Ninguém pode dizer que tem Deus como Pai, se não tem a Igreja como Mãe’ [são Cipriano]” (n. 181). Então, a fé nasce na Igreja, conduz a essa e vive nessa. Isso é importante recordar. 

Nos começos da aventura cristã, quando o Espírito Santo desce com potência sobre os discípulos, no dia de Pentecoste – como narram os Atos dos Apóstolos (cfr 2, 1-13) – a Igreja nascente recebe a força para implementar a missão confiada pelo Senhor Ressuscitado: difundir em cada canto da terra o Evangelho, a boa nova do Reino de Deus, e conduzir, assim, cada homem ao encontro com Ele, à fé que salva. Os Apóstolos superam todo o medo ao proclamar o que tinham escutado, visto e experimentado pessoalmente com Jesus. Pela potência do Espírito Santo, começam a falar em línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram testemunhas. Nos Atos dos Apóstolos nos vem relatado o grande discurso que Pedro pronuncia exatamente no dia de Pentecoste. Ele parte de uma passagem do profeta Joel (3, 1-5), referindo-se a Jesus, e proclamando o núcleo central da fé cristã: Aquele que tinha beneficiado todos, que tinha sido creditado por Deus com milagres e grandes sinais, foi pregado na cruz e morto, mas Deus o ressuscitou dos mortos, constituindo-lhe Senhor e Cristo. Com Ele entramos na salvação definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo (cfr At 2,17-24). Escutando estas palavras de Pedro, muitos se sentem pessoalmente desafiados, se arrependem de seus pecados e são batizados recebendo o dom do Espírito Santo (cfr At 2, 37-41). Assim começa o caminho da Igreja, comunidade que leva este anúncio no tempo e no espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um determinado grupo social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de toda nação e cultura. É um povo “católico”, que fala línguas novas, universalmente aberto a acolher a todos, além de todos os confins, quebrando todas as barreiras. Diz São Paulo: “Aqui não há grego ou judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cidadão, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Col 3,11).

A Igreja, portanto, desde o início é o lugar da fé, o lugar da transmissão da fé, o lugar onde, pelo Batismo, se é imersa no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, que nos liberta da escravidão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz da comunhão com o Deus Trinitário. Ao mesmo tempo, somos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com todo o Corpo de Cristo, retirados do nosso isolamento. O Concílio Ecumênico Vaticano II o recorda: “Deus quis salvar e santificar os homens não individualmente e sem qualquer ligação entre eles, mas quis constituir deles um povo, que o reconhecesse na verdade e fielmente O servisse” (Cost. dogm. Lumen gentium, 9). Recordando ainda a liturgia do Batismo, notamos que, na conclusão das promessas em que expressamos a renúncia ao mal e repetimos “creio” na verdade da fé, o celebrante declara: “Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja e nós nos glorificamos de professá-la em Cristo Jesus Nosso Senhor”. A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. São Paulo mesmo, escrevendo aos Coríntios, afirma ter comunicado a eles o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido (cfr 1 Cor 15,3).
Há uma cadeia ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra de Deus, de celebração dos Sacramentos, que chega a nós e que chamamos de Tradição. Essa nos dá a garantia de que aquilo em que acreditamos é a mensagem original de Cristo, pregada pelos apóstolos. O núcleo do anúncio primordial é o evento da morte e ressurreição do Senhor, do qual decorre todo o patrimônio da fé. Diz o Concílio: "A pregação apostólica, que está expressa de modo especial nos livros inspirados, devia ser repassada com sucessão contínua até o fim dos tempos" (Constituição dogmática. Dei Verbum, 8). Deste modo, se a Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a preserva e a transmite com fidelidade, para que os homens de cada época possam ter acesso a seus imensos recursos e se enriqueçam de seus tesouros de graça. Assim, a Igreja, "em sua doutrina, em sua vida e em seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo em que acredita" (ibidem).

Gostaria, por fim, de ressaltar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. É interessante observar que no Novo Testamento, a palavra "santos" designa os cristãos no seu conjunto e, certamente, não todos tinham as qualidades para ser declarado santo pela Igreja. O que se queria indicar, então, com este termo? O fato de que aqueles que viviam a fé em Cristo ressuscitado eram chamados a se tornar um ponto de referência para todos os outros, colocando-os em contato com a Pessoa e com a Mensagem de Jesus, que revela a face do Deus vivo. E isso vale também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar pouco a pouco pela fé da Igreja, apesar de suas fraquezas, suas limitações e suas dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que recebe essa luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II, na Encíclica Redemptoris missio, afirmava que "a missão renova a Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá novo entusiasmo e novas motivações. A fé se fortalece doando. "(n. 2).
A tendência, hoje difundida, de relegar a fé ao âmbito privado, contradiz então, a sua própria natureza. Nós precisamos da Igreja para ter a confirmação da nossa fé e para ter experiência com os dons de Deus: a Sua Palavra, os Sacramentos, o sustento da graça e o testemunho do amor. Assim, o nosso "eu" no "nós" da Igreja poderá ser percebido, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que estabelece a comunhão entre as pessoas. Em um mundo onde o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as sempre mais frágeis, a fé nos chama a ser povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus para todo gênero humano. (ver Constituição Pastoral. Gaudium et spes, 1). Obrigado pela atenção.
O Papa dirigiu a seguinte saudação em português:
Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, especialmente os fiéis vindos de São Tomé e Príncipe e os grupos de brasileiros, de Imperatriz, Toledo e Guaxupé. Deixai-vos plasmar pela fé da Igreja, pois esta, apesar das dificuldades, fará de vós janelas abertas para a luz Deus, de modo que a recebendo, possais transmiti-la ao mundo. Obrigado pela vossa presença!

"MIGRAÇÕES: PEREGRINAÇÃO DE FÉ E DE ESPERANÇA"


"MIGRAÇÕES: PEREGRINAÇÃO DE FÉ E DE ESPERANÇA"


Mensagem de Bento XVI para o dia mundial do migrante e do refugiado
CIDADE DO VATICANO, terça-feira, 30 de outubro de 2012.
"Migrações: peregrinação de fé e de esperança"
Queridos irmãos e irmãs!
Na Constituição pastoral Gaudium et spes, o Concílio Ecuménico Vaticano II recordou que «a Igreja caminha juntamente com toda a humanidade» (n. 40), pelo que «as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração» (ibid.,1). Na linha destas afirmações, o Servo de Deus Paulo VI designou a Igreja como sendo «perita em humanidade» (Enc. Populorum progressio13), e o Beato João Paulo II escreveu que a pessoa humana é «o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer na realização da sua missão (...), caminho traçado pelo próprio Cristo» (Enc. Centesimus annus53). Na esteira dos meus Predecessores, quis especificar –na Encíclica Caritas in veritate – que «a Igreja inteira, em todo o seu ser e agir, quando anuncia, celebra e actua na caridade, tende a promover o desenvolvimento integral do homem» (n. 11), referindo-me também aos milhões de homens e mulheres que, por diversas razões, vivem a experiência da emigração. Na verdade, os fluxos migratórios são «um fenómeno impressionante pela quantidade de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que coloca à comunidade nacional e internacional» (ibid., 62), porque «todo o migrante é uma pessoa humana e, enquanto tal, possui direitos fundamentais inalienáveis que hão-de ser respeitados por todos em qualquer situação» (ibidem).
Neste contexto, em concomitância com as celebrações do cinquentenário da abertura do Concílio Ecuménico Vaticano II e do sexagésimo aniversário da promulgação da Constituição apostólica Exsul familia e quando toda a Igreja está comprometida na vivência do Ano da Fé abraçando com entusiasmo o desafio da nova evangelização, quis dedicar a Jornada Mundial do Migrante e do Refugiado de 2013 ao tema «Migrações: peregrinação de fé e de esperança».
Na realidade, fé e esperança formam um binómio indivisível no coração de muitos migrantes, dado que neles existe o desejo de uma vida melhor, frequentemente unido ao intento de ultrapassar o «desespero» de um futuro impossível de construir. Ao mesmo tempo, muitos encetam a viagem animados por uma profunda confiança de que Deus não abandona as suas criaturas e de que tal conforto torna mais suportáveis as feridas do desenraizamento e da separação, talvez com a recôndita esperança de um futuro regresso à terra de origem. Por isso, fé e esperança enchem muitas vezes a bagagem daqueles que emigram, cientes de que, com elas, «podemos enfrentar o nosso tempo presente: o presente, ainda que custoso, pode ser vivido e aceite, se levar a uma meta e se pudermos estar seguros desta meta, se esta meta for tão grande que justifique a canseira do caminho» (Enc. Spe salvi1).
No vasto campo das migrações, a solicitude materna da Igreja estende-se em diversas direcções. Por um lado a sua solicitude contempla as migrações sob o perfil dominante da pobreza e do sofrimento que muitas vezes produz dramas e tragédias, intervindo lá com acções concretas de socorro que visam resolver as numerosas emergências, graças à generosa dedicação de indivíduos e de grupos, associações de voluntariado e movimentos, organismos paroquiais e diocesanos, em colaboração com todas as pessoas de boa vontade. E, por outro, a Igreja não deixa de evidenciar também os aspectos positivos, as potencialidades de bem e os recursos de que as migrações são portadoras; e, nesta direcção, ganham corpo as intervenções de acolhimento que favorecem e acompanham uma inserção integral dos migrantes, requerentes de asilo e refugiados no novo contexto sociocultural, sem descuidar a dimensão religiosa, essencial para a vida de cada pessoa. Ora a Igreja, pela própria missão que lhe foi confiada por Cristo, é chamada a prestar particular atenção e solicitude precisamente a esta dimensão: ela constitui o seu dever mais importante e específico. Visto que os fiéis cristãos provêm das várias partes do mundo, a solicitude pela dimensão religiosa engloba também o diálogo ecuménico e a atenção às novas comunidades; ao passo que, para os fiéis católicos, se traduz, entre outras coisas, na criação de novas estruturas pastorais e na valorização dos diversos ritos, até se chegar à plena participação na vida da comunidade eclesial local. Entretanto, a promoção humana caminha lado a lado com a comunhão espiritual, que abre os caminhos «a uma autêntica e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo» (Carta ap. Porta fidei6). É sempre um dom precioso tudo aquilo que a Igreja proporciona visando conduzir ao encontro de Cristo, que abre para uma esperança sólida e credível.
A Igreja e as diversas realidades que nela se inspiram são chamadas a evitar o risco do mero assistencialismo na sua relação com os migrantes e refugiados, procurando favorecer a autêntica integração numa sociedade onde todos sejam membros activos e responsáveis pelo bem-estar do outro, prestando generosamente as suas contribuições originais, com pleno direito de cidadania e participação nos mesmos direitos e deveres. Aqueles que emigram trazem consigo sentimentos de confiança e de esperança que animam e alentam a procura de melhores oportunidades de vida; mas eles não procuram apenas a melhoria da sua condição económica, social ou política. É verdade que a viagem migratória muitas vezes inicia com o medo, sobretudo quando perseguições e violências obrigam a fugir, com o trauma de abandonar os familiares e os bens que, em certa medida, asseguravam a sobrevivência; e, todavia, o sofrimento, as enormes perdas e às vezes um sentido de alienação diante do futuro incerto não destroem o sonho de reconstruir, com esperança e coragem, a vida num país estrangeiro. Na verdade, aqueles que emigram nutrem a confiança de encontrar acolhimento, obter ajuda solidária e entrar em contacto com pessoas que, compreendendo as contrariedades e a tragédia dos seus semelhantes e também reconhecendo os valores e recursos de que eles são portadores, estejam dispostas a compartilhar humanidade e bens materiais com quem é necessitado e desfavorecido. Na realidade, é preciso reafirmar que «a solidariedade universal é para nós um facto e um benefício, mas também um dever» (Enc. Caritas in veritate43). E assim, a par das dificuldades, os migrantes e refugiados podem experimentar também relações novas e hospitaleiras que os encorajem a contribuir para o bem-estar dos países de chegada com suas competências profissionais, o seu património sociocultural e também com o seu testemunho de fé, que muitas vezes dá impulso às comunidades de antiga tradição cristã, encoraja a encontrar Cristo e convida a conhecer a Igreja.
É verdade que cada Estado tem o direito de regular os fluxos migratórios e implementar políticas ditadas pelas exigências gerais do bem comum, mas assegurando sempre o respeito pela dignidade de cada pessoa. O direito que a pessoa tem de emigrar – como recorda o número 65 da Constituição conciliar Gaudium et spes – conta-se entre os direitos humanos fundamentais, com faculdade de cada um se estabelecer onde crê mais oportuno para uma melhor realização das suas capacidades e aspirações e dos seus projectos. No contexto sociopolítico actual, porém, ainda antes do direito a emigrar há que reafirmar o direito a não emigrar, isto é, a ter condições para permanecer na própria terra, podendo repetir, com o Beato João Paulo II, que «o direito primeiro do homem é viver na própria pátria. Este direito, entretanto, só se torna efectivo se se têm sob controle os factores que impelem à emigração (Discurso ao IV Congresso Mundial das Migrações, 9 de Outubro de 1998). De facto, hoje vemos que muitas migrações são consequência da precariedade económica, da carência dos bens essenciais, de calamidades naturais, de guerras e desordens sociais. Então emigrar, em vez de uma peregrinação animada pela confiança, pela fé e a esperança, torna-se um «calvário» de sobrevivência, onde homens e mulheres resultam mais vítimas do que autores e responsáveis das suas vicissitudes de migrante. Assim, enquanto há migrantes que alcançam uma boa posição e vivem com dignidade e adequada integração num ambiente de acolhimento, existem muitos outros que vivem em condições de marginalidade e, por vezes, de exploração e privação dos direitos humanos fundamentais, ou até assumem comportamentos danosos para a sociedade onde vivem. O caminho da integração compreende direitos e deveres, solicitude e cuidado pelos migrantes para que levem uma vida decorosa, mas supõe também a atenção dos migrantes aos valores que lhes proporciona a sociedade onde se inserem.
A este respeito, não podemos esquecer a questão da imigração ilegal, que se torna ainda mais impelente nos casos em que esta se configura como tráfico e exploração de pessoas, com maior risco para as mulheres e crianças. Tais delitos hão-de ser decididamente condenados e punidos, ao mesmo tempo que uma gestão regulamentada dos fluxos migratórios – que não se reduza ao encerramento hermético das fronteiras, ao agravamento das sanções contra os ilegais e à adopção de medidas que desencorajem novos ingressos – poderia pelo menos limitar o perigo de muitos migrantes acabarem vítimas dos referidos tráficos. Na verdade, hoje mais do que nunca são oportunas intervenções orgânicas e multilaterais para o desenvolvimento dos países de origem, medidas eficazes para erradicar o tráfico de pessoas, programas orgânicos dos fluxos de entrada legal, maior disponibilidade para considerar os casos individuais que requerem intervenções de protecção humanitária bem como de asilo político. As normativas adequadas devem estar associadas com uma paciente e constante acção de formação da mentalidade e das consciências. Em tudo isto, é importante reforçar e desenvolver as relações de bom entendimento e cooperação entre realidades eclesiais e institucionais que estão ao serviço do desenvolvimento integral da pessoa humana. Na perspectiva cristã, o compromisso social e humanitário recebe força da fidelidade ao Evangelho, com a consciência de que «aquele que segue Cristo, o homem perfeito, torna-se mais homem» (Gaudium et spes41).
Queridos irmãos e irmãs migrantes, oxalá esta Jornada Mundial vos ajude a renovar a confiança e a esperança no Senhor, que está sempre junto de vós! Não percais ocasião de encontrá-Lo e reconhecer o seu rosto nos gestos de bondade que recebeis ao longo da vossa peregrinação de migrantes. Alegrai-vos porque o Senhor está ao vosso lado e, com Ele, podereis superar obstáculos e dificuldades, valorizando os testemunhos de abertura e acolhimento que muitos vos oferecem. Na verdade, «a vida é como uma viagem no mar da história, com frequência enevoada e tempestuosa, uma viagem na qual perscrutamos os astros que nos indicam a rota. As verdadeiras estrelas da nossa vida são as pessoas que souberam viver com rectidão. Elas são luzes de esperança. Certamente, Jesus Cristo é a luz por antonomásia, o sol erguido sobre todas as trevas da história. Mas, para chegar até Ele, precisamos também de luzes vizinhas, de pessoas que dão luz recebida da luz d'Ele e oferecem, assim, orientação para a nossa travessia» (Enc. Spe salvi49). Confio cada um de vós à Bem-aventurada Virgem Maria, sinal de consolação e segura esperança, «estrela do caminho», que nos acompanha com a sua materna presença em cada momento da vida, e, com afecto, a todos concedo a Bênção Apostólica.
Vaticano, 12 de Outubro de 2012.

"O QUE SIGNIFICA CRER HOJE?"


"O QUE SIGNIFICA CRER HOJE?"


Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta- feira

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 24 de outubro de 2012.
Queridos irmãos e irmãs,
Quarta-feira passada, com o início do Ano da Fé, comecei uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de refletir com vocês sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda há um sentido para a fé em um mundo cuja ciência e a técnica abriram horizontes até pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? De fato, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua um conhecimento das suas verdades e dos eventos da salvação, mas que sobretudo nasça de um verdadeiro encontro com Deus em Jesus Cristo, de amá-lo, de confiar Nele, de modo que toda a vida seja envolvida. 
Hoje, junto a tantos sinais do bem, cresce ao nosso redor também um certo deserto espiritual. Às vezes, tem-se a sensação, por certos acontecimentos dos quais temos notícia todos os dias, que o mundo não vai em direção à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as mesmas ideias de progresso e de bem estar mostram também as suas sombras. Apesar da grandeza das descobertas da ciência e dos sucessos da técnica, hoje o homem não parece  verdadeiramente mais livre, mais humano; permanecem tantas formas de exploração, de manipulação, de violência, de abusos, de injustiça...Um certo tipo de cultura, então, educou a mover-se somente no horizonte das coisas, do factível, a crer somente no que se vê e se toca com as próprias mãos. Por outro lado, cresce também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão somente horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto, surgem algumas perguntas fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Em que direção orientar as escolhas da nossa liberdade para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte? 

Destas insuprimíveis perguntas emergem como o mundo do planejamento, do cálculo exato e do experimento, em uma palavra o saber da ciência, mesmo sendo importante para a vida do homem, sozinho não basta. Nós precisamos não apenas do pão material, precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um senso autêntico também nas crises, na escuridão, nas dificuldades e nos problemas cotidianos. A fé nos dá exatamente isto: é um confiante confiar em um “Tu”, que é Deus, o qual me dá uma certeza diferente, mas não menos sólida daquela que me vem do cálculo exato ou da ciência. A fé não é um simples consentimento intelectual do homem e da verdade particular sobre Deus; é um ato com o qual confio livremente em um Deus que é Pai e me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Certamente esta adesão a Deus não é privada de conteúdo: com essa sabemos que Deus mesmo se mostrou a nós em Cristo, mostrou a sua face e se fez realmente próximo a cada um de nós. Mais, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é sem medida: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus feito homem, nos mostra do modo mais luminoso a que ponto chega este amor, até a doação de si mesmo, até o sacrifício total. Com o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até o fundo na nossa humanidade para trazê-la de volta a Ele, para elevá-la à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, diante do mal e da morte, mas é capaz de transformar cada forma de escravidão, dando a possibilidade da salvação.Ter fé, então, é encontrar este “Tu”, Deus, que me sustenta e me concede a promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas a doa; é confiar-se em Deus como a atitude de uma criança, que sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão seguros no “Tu” da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Acho que deveríamos meditar com mais frequência – na nossa vida cotidiana, caracterizada por problemas e situações às vezes dramáticas – sobre o fato de que crer de forma cristã significa este abandonar-me com confiança ao sentido profundo que sustenta a mim e ao mundo, aquele sentido que nós não somos capazes de dar, mas somente de receber como dom, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem medo. E esta certeza libertadora e tranquilizante da fé devemos ser capazes de anunciá-la com a palavra e de mostrá-la com a nossa vida de cristãos. 

Ao nosso redor, porém, vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes ou recusam-se a acolher este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado que diz: “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 16), perde a si mesmo. Gostaria de convidá-los a refletir sobre isso. A confiança na ação do Espírito Santo, nos deve impulsionar sempre a andar e anunciar o Evangelho, ao corajoso testemunho da fé; mas além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé, há também o risco de rejeição ao Evangelho, do não acolhimento ao encontro vital com Cristo. Santo Agostinho já colocava este problema em seu comentário da parábola do semeador: “Nós falamos – dizia – lançamos a semente, espalhamos a semente. Existem aqueles que desprezam, aqueles que reprovarão, aquelas que zombam. Se nós temos medo deles, não temos mais nada a semear e no dia da ceifa ficaremos sem colheita. Por isso venha a semente da terra boa” (Discurso sobre a disciplina cristã, 13, 14: PL 40, 677-678). A recusa, portanto, não pode nos desencorajar. Como cristãos somos testemunhas deste terreno fértil: a nossa fé, mesmo com nossos limites, mostra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, existe a semente boa, e traz fruto. 
Mas perguntamo-nos: de onde atinge o homem aquela abertura do coração e da mente para crer no Deus que se fez visível em Jesus Cristo morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de forma que Ele e seu Evangelho sejam o guia e a luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. A fé então é primeiramente um dom sobrenatural, um dom de Deus. O Concílio Vaticano II afirma: “Para que se possa fazer este ato de fé, é necessária a graça de Deus que previne e socorre, e são necessários os auxílios interiores do Espírito Santo, o qual mova o coração e o volte a Deus, abra os olhos da mente, e doe ‘a todos doçura para aceitar e acreditar na verdade’” (Cost. dogm. Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé tem o Batismo, o sacramento que nos doa o Espírito Santo, fazendo-nos tornar filhos de Deus em Cristo, e marca o ingresso na comunidade de fé, na Igreja: não se crê por si próprio, sem a vinda da graça do Espírito; e não se crê sozinho, mas junto aos irmãos. A partir do Batismo cada crente é chamado a re-viver e fazer própria esta confissão de fé, junto aos irmãos. 
A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica o diz com clareza: “É impossível crer sem a graça e os auxílios interiores do Espírito Santo. Não é, portanto, menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade e nem à inteligência do homem” (n. 154). Mas, as implica e as exalta, em uma aposta de vida que é como um êxodo, isso é, um sair de si mesmo, das próprias seguranças, dos próprios esquemas mentais, para confiar na ação de Deus que nos indica a sua estrada para conseguir a verdadeira liberdade, a nossa identidade humana, a verdadeira alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar com toda a liberdade e com alegria no desenho providencial de Deus na história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. A fé, então, é um consentimento com o qual a nossa mente e o nosso coração dizem o seu “sim” a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este “sim” transforma a vida, abre a estrada para uma plenitude de significado, a torna nova, rica de alegria e de esperança confiável. 
Caros amigos, o nosso tempo requer cristãos que foram apreendidos por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e os Sacramentos. Pessoas que sejam como um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustenta no caminho e nos abre à vida que nunca terá fim. Obrigado.
Ao final o Santo Padre dirigiu a seguinte saudação em português:
Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos grupos de diversas paróquias e cidades do Brasil, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projeto de Deus a vosso respeito. Acompanha-vos a minha oração e a minha Bênção.