domingo, 14 de outubro de 2012

CRISTO COMO O CENTRO DO COSMOS E DA HISTÓRIA


CRISTO COMO O CENTRO DO COSMOS E DA HISTÓRIA


Homilia de Bento XVI na abertura do Ano da Fé

CIDADE DO VATICANO, sábado, 13 de outubro de 2012.
Venerados Irmãos,
Queridos irmãos e irmãs!
Hoje, com grande alegria, 50 anos depois da abertura do Concílio Vaticano II, damos início ao Ano da fé. Tenho o prazer de saudar a todos vós, especialmente Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca de Constantinopla, e Sua Graça Rowan Williams, Arcebispo de Cantuária. Saúdo também, de modo especial, os Patriarcas e Arcebispos Maiores das Igrejas Orientais católicas, e os Presidentes das Conferências Episcopais. Para fazer memória do Concílio, que alguns dos aqui presentes – a quem saúdo com afeto especial - tivemos a graça de viver em primeira pessoa, esta celebração foi enriquecida com alguns sinais específicos: a procissão inicial, que quis recordar a memorável procissão dos Padres conciliares, quando entraram solenemente nesta Basílica; a entronização do Evangeliário, cópia daquele que foi utilizado durante o Concílio; e a entrega das sete mensagens finais do Concílio e do Catecismo da Igreja Católica, que realizarei no termo desta celebração, antes da Bênção Final. Estes sinais, não nos fazem apenas recordar, mas também nos oferecem a possibilidade de ir além da comemoração. Eles nos convidam a entrar mais profundamente no movimento espiritual que caracterizou o Vaticano II, para que se possa assumi-lo e levá-lo adiante no seu verdadeiro sentido. E este sentido foi e ainda é a fé em Cristo, a fé apostólica, animada pelo impulso interior que leva a comunicar Cristo a cada homem e a todos os homens, no peregrinar da Igreja nos caminhos da história.
Ano da fé que estamos inaugurando hoje está ligado coerentemente com todo o caminho da Igreja ao longo dos últimos 50 anos: desde o Concílio, passando pelo Magistério do Servo de Deus Paulo VI, que proclamou um "Ano da Fé", em 1967, até chegar ao o Grande Jubileu do ano 2000, com o qual o Bem-Aventurado João Paulo II propôs novamente a toda a humanidade Jesus Cristo como único Salvador, ontem, hoje e sempre. Entre estes dois Pontífices, Paulo VI e João Paulo II, houve uma profunda e total convergência na visão de Cristo como o centro do cosmos e da história, e no ardente desejo apostólico de anunciá-lo ao mundo. Jesus é o centro da fé cristã. O cristão crê em Deus através de Jesus Cristo, que nos revelou a face de Deus. Ele é o cumprimento das Escrituras e seu intérprete definitivo. Jesus Cristo não é apenas o objeto de fé, mas, como diz a Carta aos Hebreus, é aquele «que em nós começa e completa a obra da fé» (Hb 12,2).
O Evangelho de hoje nos fala que Jesus Cristo, consagrado pelo Pai no Espírito Santo, é o verdadeiro e perene sujeito da evangelização. «O Espírito do Senhor está sobre mim, / porque ele me consagrou com a unção / para anunciar a Boa-Nova aos pobres» (Lc 4,18). Esta missão de Cristo, este movimento, continua no espaço e no tempo, ao longo dos séculos e continentes. É um movimento que parte do Pai e, com a força do Espírito, impele a levar a Boa-Nova aos pobres, tanto no sentido material como espiritual. A Igreja é o instrumento primordial e necessário desta obra de Cristo, uma vez que está unida a Ele como o corpo à cabeça. «Como o Pai me enviou, também eu vos envio» (Jo 20,21). Estas foram as palavras do Senhor Ressuscitado aos seus discípulos, que soprando sobre eles disse: «Recebei o Espírito Santo» (v. 22). O sujeito principal da evangelização do mundo é Deus, através de Jesus Cristo; mas o próprio Cristo quis transmitir à Igreja a missão, e o fez e continua a fazê-lo até o fim dos tempos infundindo o Espírito Santo nos discípulos, o mesmo Espírito que repousou sobre Ele, e n’Ele permaneceu durante toda a vida terrena, dando-lhe a força de «proclamar a libertação aos cativos / e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para proclamar um ano da graça do Senhor» (Lc 4,18-19).
O Concílio Vaticano II não quis colocar a fé como tema de um documento específico. E, no entanto, o Concílio esteve inteiramente animado pela consciência e pelo desejo de ter que, por assim dizer, imergir mais uma vez no mistério cristão, para poder propô-lo novamente e eficazmente para o homem contemporâneo. Neste sentido, o Servo de Deus Paulo VI, dois anos depois da conclusão do Concílio, se expressava usando estas palavras: «Se o Concílio não trata expressamente da fé, fala da fé a cada página, reconhece o seu caráter vital e sobrenatural, pressupõe-na íntegra e forte, e estrutura as suas doutrinas tendo a fé por alicerce. Bastaria recordar [algumas] afirmações do Concílio (...) para dar-se conta da importância fundamental que o Concílio, em consonância com a tradição doutrinal da Igreja, atribui à fé, a verdadeira fé, que tem a Cristo por fonte e o Magistério da Igreja como canal» (Catequese na Audiência Geral de 8 de março de 1967). Até aqui, a citação de Paulo VI, em 1967.
Agora, porém, temos de voltar para aquele que convocou o Concílio Vaticano II e que o inaugurou: o Bem-Aventurado João XXIII. No Discurso de Abertura, ele apresentou a finalidade principal do Concílio usando estas palavras: «O que mais importa ao Concílio Ecumênico é o seguinte: que o depósito sagrado da doutrina cristã seja guardado e ensinado de forma mais eficaz. (...) Por isso, o objetivo principal deste Concílio não é a discussão sobre este ou aquele tema doutrinal... Para isso, não havia necessidade de um Concílio... É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada de forma a responder às exigências do nosso tempo» (AAS 54 [1962], 790791-792). Até aqui, a citação do Papa João XIII, na inauguração do Concílio.
À luz destas palavras, entende-se aquilo que eu mesmo pude então experimentar: durante o Concílio havia uma tensão emocionante, em relação à tarefa comum de fazer resplandecer a verdade e a beleza da fé no hoje do nosso tempo, sem sacrificá-la frente às exigências do presente, nem mantê-la presa ao passado: na fé ecoa o eterno presente de Deus, que transcende o tempo, mas que só pode ser acolhida no nosso hoje, que não torna a repetir-se. Por isso, julgo que a coisa mais importante, especialmente numa ocasião tão significativa como a presente, seja reavivar em toda a Igreja aquela tensão positiva, aquele desejo ardente de anunciar novamente Cristo ao homem contemporâneo. Mas para que este impulso interior à nova evangelização não seja só um ideal e não peque de confusão, é necessário que ele se apoie sobre uma base de concreta e precisa, e esta base são os documentos do Concílio Vaticano II, nos quais este impulso encontrou a sua expressão. É por isso que repetidamente tenho insistido na necessidade de retornar, por assim dizer, à «letra» do Concílio - ou seja, aos seus textos - para também encontrar o seu verdadeiro espírito; e tenho repetido que neles se encontra a verdadeira herança do Concílio Vaticano II. A referência aos documentos protege dos extremos tanto de nostalgias anacrônicas como de avanços excessivos, permitindo captar a novidade na continuidade. O Concílio não definiu nada de novo em matéria de fé, nem quis substituir aquilo que existia antes. Pelo contrário, preocupou-se em fazer com que a mesma fé continue a ser vivida no presente, continue a ser uma fé viva em um mundo em mudança.
Se nos colocarmos em sintonia com a orientação autêntica que o Bem-Aventurado João XXIII queria dar ao Vaticano II, poderemos atualizá-la ao longo deste Ano da Fé, no único caminho da Igreja que quer aprofundar continuamente a «bagagem» da fé que Cristo lhe confiou. Os Padres conciliares queriam voltar a apresentar a fé de uma forma eficaz, e se quiseram abrir-se com confiança ao diálogo com o mundo moderno foi justamente porque eles estavam seguros da sua fé, da rocha firme em que se apoiavam. Contudo, nos anos seguintes, muitos acolheram acriticamente a mentalidade dominante, questionando os próprios fundamentos do depositum fidei a qual infelizmente já não consideravam como própria diante daquilo que tinham por verdade.
Se a Igreja hoje propõe um novo Ano da fé e a nova evangelização, não é para prestar honras a uma efeméride, mas porque é necessário, ainda mais do que há 50 anos! E a resposta que se deve dar a esta necessidade é a mesma desejada pelos Papas e Padres conciliares e que está contida nos seus documentos. Até mesmo a iniciativa de criar um Concílio Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização – ao qual agradeço o empenho especial para o Ano da fé – enquadra-se nessa perspectiva. Nos últimos decênios tem-se visto o avanço de uma "desertificação" espiritual. Qual fosse o valor de uma vida, de um mundo sem Deus, no tempo do Concílio já se podia perceber a partir de algumas páginas trágicas da história, mas agora, infelizmente, o vemos ao nosso redor todos os dias. É o vazio que se espalhou. No entanto, é precisamente a partir da experiência deste deserto, deste vazio, que podemos redescobrir a alegria de crer, a sua importância vital para nós homens e mulheres. No deserto é possível redescobrir o valor daquilo que é essencial para a vida; assim sendo, no mundo de hoje, há inúmeros sinais da sede de Deus, do sentido último da vida, ainda que muitas vezes expressos implícita ou negativamente. E no deserto existe, sobretudo, necessidade de pessoas de fé que, com suas próprias vidas, indiquem o caminho para a Terra Prometida, mantendo assim viva a esperança. A fé vivida abre o coração à Graça de Deus que liberta do pessimismo. Hoje, mais do que nunca, evangelizar significa testemunhar uma vida nova, transformada por Deus, indicando assim o caminho. A primeira Leitura falava da sabedoria do viajante (cf. Eclo 34,9-13): a viagem é uma metáfora da vida, e o viajante sábio é aquele que aprendeu a arte de viver e pode compartilhá-la com os irmãos - como acontece com os peregrinos no Caminho de Santiago, ou em outros caminhos de peregrinação que, não por acaso, estão novamente em voga nestes últimos anos. Por que tantas pessoas hoje sentem a necessidade de fazer esses caminhos? Não seria porque neles encontraram, ou pelo menos intuíram o significado do nosso estar no mundo? Eis aqui o modo como podemos representar este Ano da fé: uma peregrinação nos desertos do mundo contemporâneo, em que se deve levar apenas o que é essencial: nem cajado, nem sacola, nem pão, nem dinheiro, nem duas túnicas - como o Senhor exorta aos Apóstolos ao enviá-los em missão (cf. Lc 9,3), mas sim o Evangelho e a fé da Igreja, dos quais os documentos do Concílio Vaticano II são uma expressão luminosa, assim como é o Catecismo da Igreja Católica, publicado há 20 anos.
Venerados e queridos irmãos, no dia 11 de outubro de 1962, celebrava-se a festa de Santa Maria, Mãe de Deus. A Ela lhe confiamos o Ano da fé, tal como fiz há uma semana, quando fui, em peregrinação, a Loreto. Que a Virgem Maria brilhe sempre qual estrela no caminho da nova evangelização. Que Ela nos ajude a pôr em prática a exortação do Apóstolo Paulo: «A palavra de Cristo, em toda a sua riqueza, habite em vós. Ensinai e admoestai-vos uns aos outros, com toda a sabedoria... Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus. Por meio dele dai graças a Deus Pai» (Col 3,16-17). Amém.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

A IGREJA EXISTE PARA EVANGELIZAR


A IGREJA EXISTE PARA EVANGELIZAR


Homilia de Bento XVI pronunciada na Celebração Eucaristica por ocasião do Sínodo dos Bispos

CIDADE DO VATICANO, domingo, 07 de outubro de 2012.
Veneráveis Irmãos,
Queridos irmãos e irmãs,
Com esta solene concelebração inauguramos a XIII Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que tem como tema: A Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã. Esta temática responde a uma orientação programática para a vida da Igreja, de todos os seus membros, das famílias, comunidades, e das suas instituições. Tal perspectiva se reforça pela coincidência com o início do Ano da Fé, que terá lugar na próxima quinta-feira, dia 11 de outubro, no 50º aniversário da abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II. Dirijo a minha cordial saudação de boas-vindas, cheia de gratidão, a vós que viestes formar parte nesta Assembléia sinodal, em especial, ao Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos e aos seus colaboradores. Estendo a minha saudação aos delegados fraternos de outras Igrejas e Comunidades Eclesiais, e a todos os presentes, convidando-os a acompanhar com a sua oração diária, os trabalhos que realizaremos nas próximas três semanas.
As leituras bíblicas, que compõem a Liturgia da Palavra deste domingo, nos oferecem dois pontos principais de reflexão: o primeiro sobre o matrimônio, que tratarei adiante; e o segundo sobre Jesus Cristo, que abordarei em seguida. Não temos tempo para comentar esta passagem da Carta aos Hebreus, mas devemos, no início desta Assembléia sinodal, aceitar o convite para fixar o olhar no Senhor Jesus, «coroado de glória e honra, por ter sofrido a morte» (Hb 2,9). A Palavra de Deus nos coloca diante do crucificado glorioso, de modo que toda a nossa vida e, em particular, o compromisso desta assembléia sinodal, se desenrole presença d’Ele e à luz do seu mistério. A evangelização, em todo tempo e lugar, teve sempre como ponto central e último Jesus, o Cristo, o Filho de Deus (cf. Mc 1,1); e o Crucificado é por excelência o sinal distintivo de quem anuncia o Evangelho: sinal de amor e de paz, chamada à conversão e à reconciliação. Sejamos nós, Venerados Irmãos, os primeiros a ter o olhar do coração dirigido a Ele, deixando-nos purificar pela sua graça.
Queria agora refletir, brevemente, sobre a «nova evangelização», relacionando-a com a evangelização ordinária e com a missão ad gentes. A Igreja existe para evangelizar. Fiéis ao mandamento do Senhor Jesus Cristo, seus discípulos partiram pelo mundo inteiro para anunciar a Boa Nova, fundando, por toda a parte, comunidades cristãs. Com o passar do tempo, essas comunidades tornaram-se Igrejas bem organizadas, com numerosos fiéis. Em determinados períodos da história, a Divina Providência suscitou um renovado dinamismo na ação evangelizadora na Igreja. Basta pensar na evangelização dos povos anglo-saxões e eslavos, ou na transmissão do Evangelho no continente americano, e, em seguida, nos distintos períodos missionários junto dos povos da África, Ásia e Oceania. Sobre este pano de fundo dinâmico, apraz-me também dirigir o olhar para as duas figuras luminosas que acabo de proclamar Doutores da Igreja: São João de Ávila e Santa Hildegarda de Bingen. Também nos nossos tempos, o Espírito Santo suscitou na Igreja um novo impulso para proclamar a Boa Nova, um dinamismo espiritual e pastoral que encontrou a sua expressão mais universal e o seu impulso mais autorizado no Concílio Ecumênico Vaticano II. Este renovado dinamismo de evangelização produz uma influência benéfica sobre os dois "ramos" concretos que desenvolvem a partir dela, ou seja, por um lado, a missio ad gentes, isto é, a proclamação do Evangelho para aqueles que ainda não conhecem a Jesus Cristo e a Sua mensagem de salvação; e, por outro lado, a nova evangelização, destinada principalmente às pessoas que, embora batizadas, se distanciaram da Igreja e vivem sem levar em conta prática cristã. A Assembléia sinodal que se abre hoje é dedicada a essa nova evangelização, para ajudar essas pessoas a terem um novo encontro com o Senhor, o único que dá sentido profundo e paz para a nossa existência; para favorecer a redescoberta da fé, a fonte de graça que traz alegria e esperança na vida pessoal, familiar e social. Obviamente, esta orientação particular não deve diminuir nem o impulso missionário, em sentido próprio, nem as atividades ordinárias de evangelização nas nossas comunidades cristãs. Na verdade, os três aspectos da única realidade de evangelização se completam e se fecundam mutuamente.
Neste sentido, o tema do matrimônio, que nos ofereceu o Evangelho e a primeira leitura, merece uma atenção especial. A mensagem da Palavra de Deus pode ser resumida na expressão contida no livro do Gênesis e retomada pelo próprio Jesus: «Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne» (Gn 2,24, Mc 10,7-8). O que significa hoje para nós essa palavra? Parece-me que nos convida a nos tornarmos mais conscientes de uma realidade já conhecida, mas talvez não totalmente apreciada, ou seja, que o matrimônio se constitui, em si mesmo, um Evangelho, uma Boa Nova para o mundo de hoje, em particular para o mundo descristianizado. A união do homem e da mulher, o ser «uma só carne» na caridade, no amor fecundo e indissolúvel, é um sinal que fala de Deus com força, com uma eloqüência que hoje se torna ainda maior porque, infelizmente, por diversas razões, o matrimônio, justamente nas regiões de antiga tradição cristã, está passando por uma profunda crise. Não é uma coincidência. O matrimônio está ligado à fé, não num sentido genérico. O matrimônio se fundamenta, enquanto união do amor fiel e indissolúvel, na graça que vem do Deus Uno e Trino, que em Cristo nos amou com um amor fiel até a Cruz. Hoje, somos capazes de compreender toda a verdade desta afirmação, em contraste com a dolorosa realidade de muitos matrimônios que, infelizmente, acabam mal. Há uma clara correspondência entre a crise da fé e a crise do matrimônio. E, como a Igreja afirma e testemunha há muito tempo, o matrimônio é chamado a ser não apenas objeto, mas o sujeito da nova evangelização. Isso já se vê em muitas experiências ligadas a comunidades e movimentos, mas também se observa, cada vez mais, no tecido das dioceses e paróquias, como demonstrou o recente Encontro Mundial das Famílias.
A chamada universal à santidade é uma das idéias chave do renovado impulso que o Concílio Vaticano II deu à evangelização que, como tal, aplica-se a todos os cristãos (cf. Lumen gentium, 39-42). Os santos são os verdadeiros protagonistas da evangelização em todas as suas expressões. Eles são, em particular, também os pioneiros e os impulsionadores da nova evangelização: pela sua intercessão e exemplo de vida, atentos à criatividade que vem do Espírito Santo, eles mostram às pessoas, indiferentes ou mesmo hostis, a beleza do Evangelho e da comunhão em Cristo; e convidam os fiéis, por assim dizer, tíbios, a viverem a alegria da fé, da esperança e da caridade; a redescobrirem o «gosto» da Palavra de Deus e dos Sacramentos, especialmente do Pão da Vida, a Eucaristia. Santos e santas florescem entre os missionários generosos que anunciam a Boa Nova aos não-cristãos, tradicionalmente nos países de missão e atualmente em todos os lugares onde vivem pessoas não cristãs. A santidade não conhece barreiras culturais, sociais, políticas ou religiosas. Sua linguagem - a do amor e da verdade - é entendida por todos os homens de boa vontade e lhes aproxima de Jesus Cristo, fonte inesgotável de vida nova.
Neste ponto, detenhamo-nos por um momento para admirar os dois santos que hoje foram agregados ao grupo seleto dos Doutores da Igreja. São João de Ávila viveu no século XVI. Profundo conhecedor das Sagradas Escrituras, era dotado de um ardente espírito missionário. Soube adentrar, com uma profundidade particular, nos mistérios da Redenção operada por Cristo para a humanidade. Homem de Deus, unia a oração constante à atividade apostólica. Dedicou-se à pregação e ao aumento da prática dos sacramentos, concentrando seus esforços para melhorar a formação dos futuros candidatos ao sacerdócio, dos religiosos, religiosas e dos leigos, em vista de uma fecunda reforma da Igreja.
Santa Hildegarda de Bingen, importante figura feminina do século XII, ofereceu a sua valiosa contribuição para o crescimento da Igreja do seu tempo, valorizando os dons recebidos de Deus e mostrando-se uma mulher de grande inteligência, sensibilidade profunda e de reconhecida autoridade espiritual. O Senhor dotou-a com um espírito profético e de fervorosa capacidade de discernir os sinais dos tempos. Hildegard nutria um grande amor pela a criação, cultivou a medicina, a poesia e a música. Acima de tudo, sempre manteve um amor grande e fiel a Cristo e à sua Igreja.
O olhar sobre o ideal da vida cristã, expressado na chamada à santidade, nos encoraja a ver com humildade a fragilidade de muitos cristãos, antes, o seu pecado, pessoal e comunitário, que se apresenta como um grande obstáculo para a evangelização; e nos encoraja a reconhecer a força de Deus que, na fé, vem ao encontro da fraqueza humana. Portanto, não se pode falar da nova evangelização sem uma disposição sincera de conversão. Deixar-se reconciliar com Deus e com o próximo (cf. 2 Cor 5,20) é a via mestra da nova evangelização. Só purificados, os cristãos podem encontrar o legítimo orgulho da sua dignidade de filhos de Deus, criados à Sua imagem e redimidos pelo sangue precioso de Jesus Cristo, e podem experimentar a sua alegria, para compartilhá-la com todos, com os de perto e os de longe.
Queridos irmãos e irmãs, confiamos a Deus o trabalho da Assembléia sinodal com o sentimento vivo da comunhão dos santos invocando, em particular, a intercessão dos grandes evangelizadores, dentre os quais queremos incluir com grande afeto, o Beato Papa João Paulo II, cujo longo pontificado foi também um exemplo da nova evangelização. Colocamo-nos sob a proteção da Virgem Maria, Estrela da nova evangelização. Com ela, invocamos uma especial efusão do Espírito Santo, que ilumine do alto a Assembléia sinodal e torne-a fecunda para o caminho da Igreja, hoje no nosso tempo. Amen

"É PRECISO VOLTAR PARA DEUS PARA QUE O HOMEM VOLTE A SER HOMEM"


"É PRECISO VOLTAR PARA DEUS PARA QUE O HOMEM VOLTE A SER HOMEM"


Homilia de Bento XVI pronunciada durante missa em honra à Virgem Maria de Loreto

LORETO, quinta-feira, 04 de outubro de 2012. 
Senhores Cardeais,
Venerados Irmãos no episcopado,
Queridos irmãos e irmãs!
No dia 4 de outubro de 1962, o Beato João XXIII veio em peregrinação a este Santuário para confiar à Virgem Maria o Concílio Ecumênico Vaticano II, que seria inaugurado uma semana depois. Naquela ocasião, ele, que alimentava uma filial e profunda devoção a Nossa Senhora, se dirigiu a ela com estas palavras: «Hoje, mais uma vez, e em nome de todo o episcopado, a Vós, dulcíssima Mãe, que sois invocada como Auxilium Episcoporum, pedimos por Nós, Bispo de Roma e por todos os Bispos do mundo que nos alcance a graça de entrar na sala conciliar da Basílica de São Pedro como entraram no Cenáculo os Apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus: um só coração, uma pulsação única de amor a Cristo e pelas almas, um propósito único de viver e de nos imolarmos pela salvação de cada pessoa e dos povos. Assim, por vossa intercessão materna, nos anos e nos séculos futuros, possa se dizer que a graça de Deus precedeu, acompanhou e coroou o vigésimo primeiro Concílio Ecumênico, infundindo em todos os filhos da Santa Igreja novo fervor, ímpeto de generosidade, firmeza de propósitos» (AAS54 [1962], 727).
À distância de cinqüenta anos, após ter sido chamado pela Divina Providência a suceder, na Cátedra de Pedro, aquele Papa inesquecível, também vim aqui em peregrinação para confiar à Mãe de Deus duas importantes iniciativas eclesiais: o Ano da Fé, que terá início daqui a uma semana, no dia 11 de outubro, no qüinquagésimo aniversário da abertura do Concílio Vaticano II, e a Assembléia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, por mim convocada para o mês de outubro, com o tema «A Nova Evangelização para a transmissão da Fé Cristã». Queridos amigos! A todos vós dirijo a minha mais cordial saudação. Agradeço ao Arcebispo de Loreto, Dom Giovanni Tonucci, pelas calorosas expressões de boas-vindas. Saúdo os demais Bispos presentes, os Sacerdotes, os Padres Capuchinhos, aos quais está confiada a cura pastoral do santuário, e às Religiosas. Dirijo um deferente pensamento ao Prefeito, Dr. Paolo Niccoletti, a quem também agradeço por suas amáveis palavras, ao Representante do Governo e às Autoridades civis e militares presentes. Expresso o meu reconhecimento a todos aqueles que generosamente contribuíram com a realização desta minha Peregrinação.
Como recordei na Carta Apostólica de sua convocação, através do Ano da Fé, "pretendo convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao Sucessor de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de comemorar o dom precioso da fé" (Porta fidei,8). E justamente aqui em Loreto temos a oportunidade de nos colocarmos na escola de Maria, d’ela que foi proclamada "Bem-aventurada" porque "acreditou" (Lc 1,45). Este Santuário, construído ao redor de sua casa terrena, guarda a memória do momento no qual o Anjo do Senhor veio a Maria com o grande anúncio da Encarnação, e ela lhe deu sua resposta. Esta humilde habitação é um testemunho concreto e tangível do maior acontecimento da nossa história: a Encarnação; o Verbo se fez carne, e Maria, a serva do Senhor, é o canal privilegiado através do qual Deus habitou entre nós (cf. Jo 1,14). Maria ofereceu a sua carne, colocou-se inteiramente à disposição da vontade de Deus, tornando-se "lugar" de sua presença, "lugar" no qual habita o Filho de Deus. Aqui podemos repetir as palavras do Salmo com as quais, segundo a Carta aos Hebreus, Cristo iniciou a sua vida terrena dizendo ao Pai: «Tu não quiseste vítima e oferenda, mas formaste-me um corpo... Por isso eu disse: "Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade"» (10,5.7). Maria disse palavras semelhantes diante do Anjo que lhe revela o plano de Deus sobre ela: «Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1,38). A vontade de Maria coincide com a vontade do Filho no único projeto de amor do Pai e nele se unem céu e terra, Deus criador e sua criatura. Deus torna-se homem, Maria se faz "casa viva" do Senhor, templo onde mora o Altíssimo. O Beato João XXIII há cinqüenta anos, aqui em Loreto, convidava a contemplar este mistério, a "refletir sobre esta união do céu com a terra, que é a finalidade da Encarnação e da Redenção", e continuava afirmando que o próprio Concílio tinha como objetivo estender sempre mais o alcance benéfico da Encarnação e Redenção de Cristo em todas as formas da vida social (cf. AAS 54 [1962], 724). É um convite que ressoa hoje com particular intensidade. Na crise atual que atinge não apenas a economia, mas vários setores da sociedade, a Encarnação do Filho de Deus nos fala de quanto o homem é importante para Deus e Deus para o homem. Sem Deus o homem acaba por deixar prevalecer o seu egoísmo sobre a solidariedade e sobre o amor, as coisas materiais sobre os valores, o ter sobre o ser. É preciso voltar para Deus para que o homem volte a ser homem. Com Deus mesmo nos momentos difíceis, de crise, o horizonte da esperança não desaparece: a Encarnação nos diz que jamais estamos sozinhos, Deus entrou em nossa humanidade e nos acompanha.
Mas o habitar do Filho de Deus na "casa viva", no templo, que é Maria, nos leva a outro pensamento: onde Deus mora, devemos reconhecer que todos estamos "em casa"; onde Cristo mora, os seus irmãos e as suas irmãs não são mais estrangeiros. Maria, que é a mãe de Cristo é também nossa mãe, nos abre a porta da sua Casa, nos guia para entrarmos na vontade de seu Filho. É a fé, então, que nos dá uma casa neste mundo, que nos reúne em uma única família e que nos faz todos irmãos e irmãs. Contemplando Maria, devemos nos perguntar se também nós queremos ser abertos ao Senhor, se queremos oferecer nossa vida para que seja uma morada para Ele; ou então, ao contrário, se tememos que a presença do Senhor possa ser um limite para nossa liberdade, e se queremos reservar para nós uma parte de nossa vida, de modo que possa pertencer apenas a nós. Mas é Deus mesmo que liberta nossa liberdade, que a liberta do fechamento em si mesma, de possuir, da sede de poder, de posse, de domínio, e a torna capaz de abrir-se à dimensão que a realiza no sentido pleno: o do dom de si, do amor, que se faz serviço e partilha.
A fé nos faz habitar, morar, mas nos faz também trilhar o caminho da vida. Também a Santa Casa de Loreto conserva um ensinamento importante. Como sabemos, ela foi colocada numa estrada. Isso poderia parecer deveras estranho: do nosso ponto de vista, de fato, a casa e a estrada parecem se excluir. Na realidade, justamente nesse aspecto particular, encontra-se uma mensagem singular desta Casa. Ela não é uma casa privada, não pertence a uma pessoa ou a uma família, mas é uma habitação aberta para todos, que está, por assim dizer, na estrada de todos nós. Então, aqui em Loreto, encontramos uma casa que nos faz permanecer, habitar, e que ao mesmo tempo nos faz caminhar: recorda-nos que somos todos peregrinos, que devemos estar sempre a caminho para outra habitação, para a casa definitiva, para a Cidade eterna, a morada de Deus com a humanidade redimida (cf. Ap 21,3).
Existe ainda um ponto importante do relato evangélico da Anunciação que quero destacar, um aspecto que jamais deixa de maravilharmos: Deus pede o "sim" do homem, criou um interlocutor livre, pede que sua criatura Lhe responda com plena liberdade. São Bernardo de Claraval, em um de seus Sermões mais célebres, quase "representa" a espera da parte de Deus e da humanidade pelo "sim" de Maria, dirigindo-se a ela com uma súplica: «O anjo espera a vossa resposta, porque chegou o tempo de voltar ao que o enviou... Ó Senhora, dai essa resposta, que a terra, os infernos, antes, que os céus esperam. Como o Rei e Senhor de todos desejava ver a vossa beleza, assim deseja ardentemente a vossa resposta afirmativa... Levantai-vos, correi, abri! Levantai-vos com a fé, apressai-vos com vossa oferta, abri com a vossa adesão!» (In laudibus Virginis Matris, Hom. IV, 8: Opera omnia, Edit. Cisterc. 4, 1966, p. 53s). Deus pede a livre adesão de Maria para se tornar homem. Certo, o "sim" da Virgem é fruto da Graça divina. Mas a graça não elimina a liberdade, ao contrário, a cria e a sustém. A fé não tolhe nada à criatura humana, mas permite a sua plena e definitiva realização.
Queridos irmãos e irmãs, nesta peregrinação que repercorre a do Beato João XXIII – e que se dá, providencialmente, no dia em que se celebra a memória de São Francisco de Assis, verdadeiro "Evangelho Vivo" – quero confiar à Santíssima Mãe de Deus todas as dificuldades que vive o nosso mundo na busca de serenidade e de paz; os problemas de tantas famílias que olham para o futuro com preocupação, os desejos dos jovens que se abrem à vida, os sofrimentos dos que esperam gestos e escolhas de solidariedade e de amor. Quero confiar à Mãe de Deus também este especial tempo de graça para a Igreja, que se abre diante de nós. Vós, Mãe do "sim", que escutastes Jesus, falai-nos d’Ele, contai-nos sobre vossa estrada para segui-Lo no caminho da fé, ajudai-nos a anunciá-lo para que cada homem possa acolhê-lo e se tornar morada de Deus. Amém!

A ORAÇÃO CRISTÃ É OLHAR CONSTANTEMENTE E DE MANEIRA SEMPRE NOVA A CRISTO


A ORAÇÃO CRISTÃ É OLHAR CONSTANTEMENTE E DE MANEIRA SEMPRE NOVA A CRISTO

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 03 de outubro de 2012.

Queridos irmãos e irmãs,
Na última catequese, comecei a falar de uma das fontes privilegiadas de oração cristã: a liturgia sagrada, que - como afirma o Catecismo da Igreja Católica - é "participação na oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Na liturgia, toda oração cristã encontra a sua fonte e o seu termo". Hoje, eu gostaria que nos perguntássemos: na minha vida, eu reservo espaço suficiente para a oração e, acima de tudo, que lugar na minha relação com Deus ocupa a oração litúrgica, especialmente a Santa Missa, como participação na oração comum do Corpo de Cristo que é a Igreja?
Ao responder a esta questão devemos primeiramente lembrar que a oração é a relação viva dos filhos de Deus com seu Pai que é infinitamente bom, com seu Filho, Jesus Cristo, e com o Espírito Santo. Assim, a vida de oração é o hábito de estar na presença de Deus e ter consciência de viver a relação com Deus como se vive as relações habituais de nossas vidas, com os familiares mais queridos, com amigos de verdade; e de fato, a relação com o Senhor é a que ilumina a todos os nossos outros relacionamentos. Esta comunhão de vida com Deus, Uno e Trino, é possível porque, pelo Batismo fomos introduzidos em Cristo, passamos a ser um com Ele (cf. Rm 6:5).
De fato, somente em Cristo podemos dialogar com Deus Pai como filhos, caso contrário não é possível, mas em comunhão com o Filho também nos podemos dizer como Ele disse: "Abba". Em comunhão com Cristo, podemos conhecer a Deus como verdadeiro Pai (cf. Mt 11:27). Por isso, a oração cristã é olhar constantemente e de maneira sempre nova a Cristo, conversar com Ele, ficar em silêncio com Ele, ouvi-lo, agir e sofrer com Ele. O cristão descobre sua verdadeira identidade em Cristo, "primogênito de toda  criatura», em quem todas as coisas (cf. Cl 1,15 ss). Identificando-se com Ele, sendo um com Ele, redescubro a minha identidade pessoal, a de verdadeiro filho que vê a Deus como um Pai cheio de amor.
Mas não esqueçamos: Cristo, nós o encontramos, o conhecemos como uma pessoa viva, na Igreja. É o "seu corpo". Esta corporeidade pode ser entendida a partir das palavras bíblicas sobre o homem e a mulher: os dois serão uma só carne (cf. Gn 2:24; Efésios 5,30 ss; 1 Cor 6,16 s.). O vínculo indissolúvel entre Cristo e a Igreja, através do poder unificador do amor, não anula o “você” e o “eu”, mas eleva-as a sua unidade mais profunda. Encontrar a própria identidade em Cristo significa alcançar uma comunhão com Ele, que não me anula, mas eleva-me a mais alta dignidade, àquela de filho de Deus em Cristo: “a história de amor entre Deus e o homem consiste no fato de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, a nossa vontade e a vontade de Deus coincidem cada vez mais "(Encíclica Deus caritas est, 17). Rezar significa elevar-se à altura de Deus através de uma necessária e gradual transformação do nosso ser.
Assim, participando da liturgia, fazemos nossa a linguagem da mãe Igreja, aprendemos a falar nessa e através dessa. Claro que, como eu já disse, isso acontece gradualmente, pouco a pouco. Devo imergir progressivamente nas palavras da Igreja, com a minha oração, com a minha vida, com o meu sofrimento, com a minha alegria, com o meu pensamento. É um caminho que nos transforma.
Penso que essas reflexões nos permitem responder à pergunta que fizemos no início: como aprendo a rezar, como eu cresço na minha oração? Olhando para o modelo que Jesus nos ensinou, o Pai Nosso, vemos que a primeira palavra é "Pai" e a ​​segunda é "nosso". A resposta, então, é clara: aprendo a rezar, alimento a minha oração, dirigindo-me a Deus como Pai e rezando com outros, rezando com a Igreja, aceitando o dom de suas palavras, que tornam pouco a pouco familiar e rica de sentido. O diálogo que Deus estabelece com cada um de nós, e nós com Ele, na oração inclui sempre um "com"; não podemos rezar a Deus de maneira  individualista. Na oração litúrgica, especialmente a Eucaristia, e - formados pela liturgia - em cada oração, não falamos apenas como pessoa individualmente, mas entramos no "nós" da Igreja que reza. E precisamos transformar nosso "eu" entrando neste "nós".
Gostaria de lembrar outro aspecto importante. No Catecismo da Igreja Católica, lemos: "Na liturgia da Nova Aliança, cada ação litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja" (n. 1097), por isso, é o "Cristo total", toda a Comunidade, o Corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra. A liturgia não é, então, uma espécie de "auto-manifestação" de uma comunidade, mas é a saída de simplesmente "ser para si mesmo", ser fechado em si mesmo para entrar no grande banquete, na grande comunidade viva, na qual o próprio Deus nos alimenta. A liturgia implica universalidade e esse caráter universal deve entrar novamente no conhecimento de todos. A liturgia cristã é o culto do templo universal que é Cristo Ressuscitado, cujos braços estão estendidos na cruz para atrair todos ao abraço do amor eterno de Deus.  É o culto do céu aberto. Nunca é somente o evento de uma única comunidade, com o seu lugar no tempo e no espaço. É importante que cada cristão sinta-se realmente inserido nesse "nós" universal, que fornece o  fundamento e o refúgio ao "eu", no Corpo de Cristo que é a Igreja.
Nisto devemos estar cientes e aceitar a lógica da Encarnação de Deus: Ele se fez próximo, presente, entrando na história e natureza humana, tornando-se um de nós. E esta presença continua na Igreja, seu Corpo. A liturgia, então, não é a memória de eventos passados, mas é a presença viva do Mistério Pascal de Cristo que transcende e une todos os tempos e espaços. Se na celebração não emerge a centralidade de Cristo, não temos a liturgia cristã totalmente dependente do Senhor e sustentada pela sua presença criadora. Deus age através de Cristo e  nós não podemos agir a não ser por meio Dele e Nele. Todos os dias deve crescer em nós a convicção de que a liturgia não é o nosso, o meu "fazer", mas é a ação de Deus em nós e conosco.
Assim, não é o indivíduo - sacerdote ou fiel - ou o grupo que celebra a liturgia, mas é principalmente a ação de Deus através da Igreja, que tem a sua própria história, sua rica tradição e a sua criatividade. Esta universalidade e abertura fundamental, que é característica de toda a liturgia é uma das razões pelas quais não podem ser idealizada ou modificada pela comunidade individual ou por especialistas, mas deve ser fiel às formas da Igreja universal.
Mesmo na liturgia das menores comunidades está sempre presente toda a Igreja. Por esta razão, não há "estrangeiro" na comunidade litúrgica. Em toda celebração litúrgica participa junto toda a Igreja, o céu e a terra, Deus e os homens. A liturgia cristã, mesmo que celebrada em um lugar e um espaço concreto e exprime o "sim" de uma determinada comunidade, é naturalmente Católica, vem do todo e leva ao todo, em união com o Papa, os Bispos, com os fiéis de todos os tempos e lugares. Quanto mais uma celebração é animada por esta consciência, mais frutuosamente nessa se realiza o autentico sentido da liturgia.
Caros amigos, a Igreja torna-se visível de muitas maneiras: na ação caritativa, nos projetos de missão, no apostolado pessoal que cada cristão deve realizar no próprio ambiente. Mas, o lugar no qual a Igreja é experimentada plenamente como Igreja é na liturgia: essa é o ato em que acreditamos que Deus entra em nossa realidade e podemos encontra-Lo, podemos toca-Lo. É o ato no qual entramos em contato com Deus, Ele vem até nós, e nós somos iluminados por Ele. Por isso, quando nas reflexões sobre liturgia nós centramos a nossa atenção somente sobre como torná-la atraente, interessante, bonita, corremos o risco de esquecer o essencial: a liturgia se celebra por Deus e não por nós mesmos; é obra sua; é Ele o sujeito; e nós devemos nos abrir a Ele e nos deixar guiar por Ele e pelo seu Corpo que é a Igreja.
Peçamos ao Senhor para aprendermos a cada dia viver a sagrada liturgia, especialmente a Celebração Eucarística, rezando no "nós" da Igreja, que dirige o olhar não para si, mas para Deus, e nos sintamos parte da Igreja viva de todos os lugares e de todos os tempos. Obrigado.
Amados peregrinos vindos do Brasil e demais peregrinos de língua portuguesa: sede todos bem-vindos! Aprendei a viver bem a liturgia, pois esta é o caminho para dirigir o vosso olhar a Deus, superando todo individualismo e egoísmo, através da comunhão com a Igreja viva de todos os tempos e lugares. Que Deus vos abençoe! 
Obrigado!