DISCURSO - À PLENÁRIA DA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Amados irmãos e irmãs!
É para mim sempre motivo de alegria poder encontrar-me convosco por ocasião da Sessão Plenária e expressar-vos o meu apreço pelo serviço que desempenhais para a Igreja e especialmente para o Sucessor de Pedro no seu ministério de confirmar os irmãos na fé (cf. Lc 22, 32). Agradeço ao Cardeal William Levada a sua cordial saudação, na qual recordou alguns compromissos importantes desempenhados pelo Dicastério nestes últimos anos. E estou particularmente grato à Congregação que, em colaboração com o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, prepara o Ano da fé, vendo nele um momento propício para repropor a todos o dom da fé em Cristo ressuscitado, o ensinamento luminoso do Concílio Vaticano II e a preciosa síntese doutrinal oferecida pelo Catecismo da Igreja Católica.
Como sabemos, em vastas áreas da terra a fé corre o perigo de se extinguir como uma chama que deixa de ser alimentada. Estamos diante de uma profunda crise de fé, de uma perda do sentido religioso que constitui o maior desafio para a Igreja de hoje. Por conseguinte, a renovação da fé deve ser a prioridade no compromisso de toda a Igreja nos nossos dias. Faço votos por que o Ano da fé possa contribuir, com a colaboração cordial de todos os componentes do Povo de Deus, para tornar Deus de novo presente neste mundo e abrir aos homens o acesso à fé, para confiar naquele Deus que nos amou até ao fim (cf. Jo 13, 1), em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado.
O tema da unidade dos cristãos está estreitamente relacionado a esta tarefa. Por conseguinte, gostaria de me deter sobre alguns aspectos relativos ao caminho ecuménico da Igreja, que foi objecto de uma reflexão aprofundada nesta Plenária, em coincidência com a conclusão da anual Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. De facto, o impulso da obra ecuménica deve começar a partir daquele «ecumenismo espiritual» da «alma de todo o movimento ecuménico» (Unitatis redintegratio, 8), que se encontra no espírito da oração para que «todos sejam um só» (Jo 17, 21).
A coerência do compromisso ecuménico com o ensinamento do Concílio Vaticano II e com toda a Tradição foi um dos âmbitos ao qual a Congregação, em colaboração com o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, sempre prestou atenção. Hoje podemos verificar não poucos frutos bons produzidos pelos diálogos ecuménicos, mas devemos reconhecer também que o risco de um falso irenismo e de um indiferentismo, totalmente alheio à mentalidade do Concílio Vaticano ii, exige a nossa vigilância. Este indiferentismo é causado pela opinião cada vez mais difundida que a verdade não seria acessível ao homem: portanto seria necessário limitar-se a encontrar regras para uma prática capaz de melhorar o mundo. E assim a fé seria substituída por um moralismo, sem fundamento profundo. O centro do verdadeiro ecumenismo é, ao contrário, a fé na qual o homem encontra a verdade que se revela na Palavra de Deus. Sem a fé todo o movimento ecuménico se reduziria a uma forma de «contrato social» ao qual aderir por um interesse comum, uma «praxiologia» para criar um mundo melhor. A lógica do Concílio Vaticano II é completamente diversa: a busca sincera da plena unidade de todos os cristãos é um dinamismo animado pela Palavra de Deus, pela Verdade divina que nos fala nesta Palavra.
O problema crucial, que marca de modo transversal os diálogos ecuménicos, é portanto a questão da estrutura da revelação — a relação entre Sagrada Escritura, a Tradição viva na Santa Igreja e o Ministério dos sucessores dos Apóstolos como testemunha a fé verdadeira. E aqui é implícita a problemática da eclesiologia, que faz parte deste problema: como chega até nós a verdade de Deus. Entre outras coisas, é fundamental o discernimento entre a Tradição com maiúscula, e as tradições. Não pretendo entrar em pormenores, mas faço uma só observação. Um passo importante deste discernimento foi feito na preparação e na aplicação das disposições para grupos de fiéis provenientes do Anglicanismo, que desejam entrar na plena comunhão da Igreja, na unidade da Tradição divina comum e essencial, conservando as próprias tradições espirituais, litúrgicas e pastorais, que são conformes com a fé católica (cf. Const. Anglicanorum coetibus, art. III). Existe, com efeito, uma riqueza espiritual nas diversas Confissões cristãs, que é expressão da única fé e dom que se deve partilhar e encontrar juntos na Tradição da Igreja.
Além disso, hoje, uma das questões fundamentais é constituída pela problemática dos métodos adoptados nos vários diálogos ecuménicos. Também eles devem reflectir a prioridade da fé. Conhecer a verdade é o direito do interlocutor em cada diálogo verdadeiro. É a mesma exigência da caridade para com o irmão. Neste sentido, é preciso enfrentar com coragem também as questões controversas, sempre no espírito de fraternidade e de respeito recíproco. Além disso, é importante oferecer uma interpretação correcta daquela «ordem ou “hierarquia” nas verdades da doutrina católica», realçada no Decreto Unitatis redintegratio (cf. n. 11), que não significa de modo algum reduzir o depósito da fé, mas fazer sobressair a sua estrutura interna, a organicidade desta única estrutura. Têm também grande relevância os documentos de estudo produzidos pelos vários diálogos ecuménicos. Esses textos não podem ser ignorados, porque constituem um fruto importante, mesmo se provisório, da reflexão comum amadurecida ao longo dos anos. De igual modo, eles devem ser reconhecidos no seu significado justo como contributos oferecidos à Autoridade competente da Igreja, a única chamada a julgá-los de modo definitivo. Atribuir a estes textos um peso vinculante ou quase conclusivo das questões difíceis dos diálogos, sem a devida avaliação por parte da Autoridade eclesial, em última análise, não ajudaria o caminho rumo à plena unidade na fé.
Uma última questão que finalmente gostaria de mencionar é a problemática moral, que constitui um novo desafio para o caminho ecuménico. Nos diálogos não podemos ignorar as grandes questões morais acerca da vida humana, da família, da sexualidade, da bioética, da liberdade, da justiça e da paz. Será importante falar destes temas com uma só voz, haurindo do fundamento da Escritura e da tradição viva da Igreja. Esta tradição ajuda-nos a decifrar a linguagem do Criador na sua criação. Defendendo os valores fundamentais da grande tradição da Igreja, defendemos o homem e a criação.
Na conclusão destas reflexões, faço votos por uma colaboração estreita e fraterna da Congregação com o competente Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, a fim de promover de forma eficaz o restabelecimento da plena unidade entre todos os cristãos. Com efeito, a divisão entre os cristãos «não só contradiz abertamente a vontade de Cristo, mas escandaliza o mundo e prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas» (Decr. Unitatis redintegratio, 1). Por conseguinte, a unidade não só é fruto da fé, mas também um meio e quase um pressuposto para anunciar de modo cada vez mais credível a fé a quantos ainda não conhecem o Salvador. Jesus rezou: «Como Tu, ó Pai estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jo 17, 21).
Ao renovar a minha gratidão pelo vosso serviço, garanto-vos a minha proximidade espiritual constante e concedo de coração a todos vós a Bênção Apostólica.
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio
Amados irmãos e irmãs!
É para mim sempre motivo de alegria poder encontrar-me convosco por ocasião da Sessão Plenária e expressar-vos o meu apreço pelo serviço que desempenhais para a Igreja e especialmente para o Sucessor de Pedro no seu ministério de confirmar os irmãos na fé (cf. Lc 22, 32). Agradeço ao Cardeal William Levada a sua cordial saudação, na qual recordou alguns compromissos importantes desempenhados pelo Dicastério nestes últimos anos. E estou particularmente grato à Congregação que, em colaboração com o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, prepara o Ano da fé, vendo nele um momento propício para repropor a todos o dom da fé em Cristo ressuscitado, o ensinamento luminoso do Concílio Vaticano II e a preciosa síntese doutrinal oferecida pelo Catecismo da Igreja Católica.
Como sabemos, em vastas áreas da terra a fé corre o perigo de se extinguir como uma chama que deixa de ser alimentada. Estamos diante de uma profunda crise de fé, de uma perda do sentido religioso que constitui o maior desafio para a Igreja de hoje. Por conseguinte, a renovação da fé deve ser a prioridade no compromisso de toda a Igreja nos nossos dias. Faço votos por que o Ano da fé possa contribuir, com a colaboração cordial de todos os componentes do Povo de Deus, para tornar Deus de novo presente neste mundo e abrir aos homens o acesso à fé, para confiar naquele Deus que nos amou até ao fim (cf. Jo 13, 1), em Jesus Cristo crucificado e ressuscitado.
O tema da unidade dos cristãos está estreitamente relacionado a esta tarefa. Por conseguinte, gostaria de me deter sobre alguns aspectos relativos ao caminho ecuménico da Igreja, que foi objecto de uma reflexão aprofundada nesta Plenária, em coincidência com a conclusão da anual Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos. De facto, o impulso da obra ecuménica deve começar a partir daquele «ecumenismo espiritual» da «alma de todo o movimento ecuménico» (Unitatis redintegratio, 8), que se encontra no espírito da oração para que «todos sejam um só» (Jo 17, 21).
A coerência do compromisso ecuménico com o ensinamento do Concílio Vaticano II e com toda a Tradição foi um dos âmbitos ao qual a Congregação, em colaboração com o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, sempre prestou atenção. Hoje podemos verificar não poucos frutos bons produzidos pelos diálogos ecuménicos, mas devemos reconhecer também que o risco de um falso irenismo e de um indiferentismo, totalmente alheio à mentalidade do Concílio Vaticano ii, exige a nossa vigilância. Este indiferentismo é causado pela opinião cada vez mais difundida que a verdade não seria acessível ao homem: portanto seria necessário limitar-se a encontrar regras para uma prática capaz de melhorar o mundo. E assim a fé seria substituída por um moralismo, sem fundamento profundo. O centro do verdadeiro ecumenismo é, ao contrário, a fé na qual o homem encontra a verdade que se revela na Palavra de Deus. Sem a fé todo o movimento ecuménico se reduziria a uma forma de «contrato social» ao qual aderir por um interesse comum, uma «praxiologia» para criar um mundo melhor. A lógica do Concílio Vaticano II é completamente diversa: a busca sincera da plena unidade de todos os cristãos é um dinamismo animado pela Palavra de Deus, pela Verdade divina que nos fala nesta Palavra.
O problema crucial, que marca de modo transversal os diálogos ecuménicos, é portanto a questão da estrutura da revelação — a relação entre Sagrada Escritura, a Tradição viva na Santa Igreja e o Ministério dos sucessores dos Apóstolos como testemunha a fé verdadeira. E aqui é implícita a problemática da eclesiologia, que faz parte deste problema: como chega até nós a verdade de Deus. Entre outras coisas, é fundamental o discernimento entre a Tradição com maiúscula, e as tradições. Não pretendo entrar em pormenores, mas faço uma só observação. Um passo importante deste discernimento foi feito na preparação e na aplicação das disposições para grupos de fiéis provenientes do Anglicanismo, que desejam entrar na plena comunhão da Igreja, na unidade da Tradição divina comum e essencial, conservando as próprias tradições espirituais, litúrgicas e pastorais, que são conformes com a fé católica (cf. Const. Anglicanorum coetibus, art. III). Existe, com efeito, uma riqueza espiritual nas diversas Confissões cristãs, que é expressão da única fé e dom que se deve partilhar e encontrar juntos na Tradição da Igreja.
Além disso, hoje, uma das questões fundamentais é constituída pela problemática dos métodos adoptados nos vários diálogos ecuménicos. Também eles devem reflectir a prioridade da fé. Conhecer a verdade é o direito do interlocutor em cada diálogo verdadeiro. É a mesma exigência da caridade para com o irmão. Neste sentido, é preciso enfrentar com coragem também as questões controversas, sempre no espírito de fraternidade e de respeito recíproco. Além disso, é importante oferecer uma interpretação correcta daquela «ordem ou “hierarquia” nas verdades da doutrina católica», realçada no Decreto Unitatis redintegratio (cf. n. 11), que não significa de modo algum reduzir o depósito da fé, mas fazer sobressair a sua estrutura interna, a organicidade desta única estrutura. Têm também grande relevância os documentos de estudo produzidos pelos vários diálogos ecuménicos. Esses textos não podem ser ignorados, porque constituem um fruto importante, mesmo se provisório, da reflexão comum amadurecida ao longo dos anos. De igual modo, eles devem ser reconhecidos no seu significado justo como contributos oferecidos à Autoridade competente da Igreja, a única chamada a julgá-los de modo definitivo. Atribuir a estes textos um peso vinculante ou quase conclusivo das questões difíceis dos diálogos, sem a devida avaliação por parte da Autoridade eclesial, em última análise, não ajudaria o caminho rumo à plena unidade na fé.
Uma última questão que finalmente gostaria de mencionar é a problemática moral, que constitui um novo desafio para o caminho ecuménico. Nos diálogos não podemos ignorar as grandes questões morais acerca da vida humana, da família, da sexualidade, da bioética, da liberdade, da justiça e da paz. Será importante falar destes temas com uma só voz, haurindo do fundamento da Escritura e da tradição viva da Igreja. Esta tradição ajuda-nos a decifrar a linguagem do Criador na sua criação. Defendendo os valores fundamentais da grande tradição da Igreja, defendemos o homem e a criação.
Na conclusão destas reflexões, faço votos por uma colaboração estreita e fraterna da Congregação com o competente Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, a fim de promover de forma eficaz o restabelecimento da plena unidade entre todos os cristãos. Com efeito, a divisão entre os cristãos «não só contradiz abertamente a vontade de Cristo, mas escandaliza o mundo e prejudica a santíssima causa da pregação do Evangelho a todas as criaturas» (Decr. Unitatis redintegratio, 1). Por conseguinte, a unidade não só é fruto da fé, mas também um meio e quase um pressuposto para anunciar de modo cada vez mais credível a fé a quantos ainda não conhecem o Salvador. Jesus rezou: «Como Tu, ó Pai estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu Me enviaste» (Jo 17, 21).
Ao renovar a minha gratidão pelo vosso serviço, garanto-vos a minha proximidade espiritual constante e concedo de coração a todos vós a Bênção Apostólica.
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